Como se trabalha com projetos
ALMEIDA, Maria Elizabeth. Como se trabalha com projetos. Revista TV Escola, [S.l.], n. 22, p.35-38, 2001. Entrevista concedida a Cláudio Pucci. Disponível em: <http://mecsrv04.mec.gov.br/seed/tvescola/revistas/revista22/PDF/entrevista.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2009.
É preciso, antes de tudo, não confundir atividade temática com projeto. Deve-se também negociar e conquistar os alunos para o tema do trabalho. Eles são sujeitos da aprendizagem. Os professores, seus parceiros.
“Projeto é um design, um esboço de algo que desejo atingir. Está sempre comprometido com ações, mas é algo aberto e flexível ao novo. A todo momento você pode rever a descrição inicialmente prevista para poder levar avante sua execução e reformulá-la de acordo com as necessidades e interesses dos sujeitos envolvidos, bem como da realidade enfrentada”, define Maria Elizabeth de Almeida, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP, ex-professora de Matemática do ensino fundamental e médio, especializada, desde 1995, na capacitação de professores para o uso do computador em educação. Ela trata aqui de alguns conceitos essenciais para o trabalho por projetos, no qual se considera o aluno sujeito da aprendizagem – ativo e autônomo para criar, para construir e representar o conhecimento. Aponta competências desenvolvidas nesta prática, que tende à interdisciplinaridade. Mas avisa: “Se fazermos do projeto uma camisa-de-força para todas as atividades escolares, estaremos mais uma vez engessando a prática pedagógica.” A entrevista concedida ao nosso editor, Cláudio Pucci, foi realizada à distância, em troca de mensagens pela Internet.
TV ESCOLA: Os PCN dizem que o professor deve saber do interesse dos alunos em pesquisar determinado tema e estabelecer com eles uma espécie de contrato sobre o que será feito. E se eles não quiserem pesquisar, por exemplo, a questão dos animais em extinção? Está certo, os alunos precisam ser ativos, desenvolver autonomia, mas a professora não pode deixar de dar esse conteúdo, tem que se ater ao currículo. Como ela faz?
Maria Elizabeth de Almeida: Propomos que ela possa negociar com os alunos, tentar conquistá-lo para o tema ou, então, desistir mesmo, porque se corre o risco de não ocorrer aprendizagem alguma. Temos exemplos de práticas bem sucedidas nesse sentido e também de outras cuja pressão do professor por um tema fez com que os alunos perdessem o interesse. Imagine um projeto definido no final de 1997 para ser desenvolvido no segundo bimestre de 1998, com x aulas sobre a Copa do Mundo. É evidente que essa atividade não era efetivamente projeto e sim atividade temática, porque os alunos tinham um roteiro a seguir e tudo estava definido previamente. Aí, no meio do suposto projeto, o Brasil perdeu a Copa.
Como ficou o interesse dos alunos? Foi um ótimo momento para o professor repensar a sua prática e tomar consciência de que não estava trabalhando com projeto. Que precisaria ter ouvido seus alunos para saber o que realmente era significativo para eles e permitir inclusive mudanças de rumo no decorrer do trabalho.
TV ESCOLA: Em um dos programas da série PCN na Escola: Projetos, um arquiteto, acho, diz que projeto é a receita de um bolo mais a fotografia desse bolo. Como você define projeto, professora? E o que é projeto na Educação?
Elizabeth: Vejo projeto mais como um design, um esboço de algo que desejo atingir. O projeto está sempre comprometido com ações, mas é algo aberto e flexível ao novo. A todo momento você pode rever a descrição inicialmente prevista para poder levar avante sua execução e reformulá-la de acordo com as necessidades e interesses dos sujeitos envolvidos, bem como da realidade enfrentada.
TV ESCOLA: Isso certamente exige um bom jogo de cintura do professor. E uma boa dose de criatividade. Mas ele precisa ser também organizado e capaz de uma disciplina que sustenta esse vaivém de planejar, replanejar, não é?
Elizabeth: O professor precisa ter clareza de sua intencionalidade e também do que o aluno está se propondo a desenvolver. Sua intencionalidade sustenta esse vaivém que se realiza por meio de reflexão sobre os caminhos que estão sendo percorridos e pela comparação entre os resultados obtidos e os previstos inicialmente, de modo a identificar se há necessidade de replanejar e o que está sendo descoberto nesse processo, que conceitos novos emergiram etc.
TV ESCOLA: A metodologia de projetos não foi inventada agora. O que há de novo? Mudaram só os princípios, a ideologia pedagógica?
Elizabeth: A ideia de projeto é a mesma e traz implícitos os conceitos de cidadania e democracia. Quando se trabalha com projetos, usando o computador para representar o conhecimento em construção, tem-se um novo potencial devido à possibilidade de poder registrar e acompanhar todo o processo de desenvolvimento. A qualquer momento esse processo pode ser revisto, reelaborado, estudado, modificado. Com isso o professor tem maiores evidências sobre o desenvolvimento do aluno, suas dificuldades e descobertas, podendo intervir para favorecer maior aprendizagem, fornecer informações significativas para o trabalho em execução, questionar o aluno de modo a desestabilizar as certezas inadequadas, propor desafios etc.
TV ESCOLA: Você está vinculando o computador, estreitamente, à questão da democracia e da cidadania. E quem não tem computador? Fala também do computador como recurso eficaz para o professor controlar o que acontece. Como conciliar democracia e controle? E como controlar, quando os computadores estão nas mãos dos alunos?
Elizabeth: Os conceitos de cidadania e democracia são inerentes ao trabalho com projetos, quer esteja-se utilizando ou não o computador. Não estamos falando em controle, mas em acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno e na promoção de desafios que possam ajudar o aluno a aprender. Não dá para controlar o aluno quando ele é o sujeito da aprendizagem e tem liberdade para criar, representar e construir conhecimento. A ideia de controle é incompatível com a de aprendizagem por projetos, em que os alunos são sujeitos da aprendizagem e os professores são parceiros dos alunos.
TV ESCOLA: Qual a vantagem de se trabalhar por projeto? O conhecimento não pode ser construído sem projeto?
Elizabeth: Trabalhar com projetos tem sentido porque parte das questões de investigação. O aluno vai desenvolver estudos, pesquisar em diferentes fontes, buscar, selecionar e articular informações com conhecimentos que já possui para compreender melhor essas questões, tentar resolvê-las ou chegar a novas questões. Esse processo implica o desenvolvimento de competências para desenvolver a autonomia e a tomada de decisões, as quais são essências para atuação na sociedade atual, caracterizada por incertezas, verdades provisórias e mudanças abruptas.
TV ESCOLA: Você acha temeroso construir um ideário pedagógico com base em incertezas e verdades provisórias? A Educação pode viver ao sabor do momento? Deve-se investir numa espécie de pedagogia da vertigem, que faz as pessoas se sentirem pequenas, frágeis, insuficientes, em meio a tantas mudanças?
Elizabeth: A vida e a ciência são permeadas de incertezas e verdades provisórias. Aprender a trabalhar com isso na escola significa aprender a conviver e não apenas sobreviver. Mas realmente não podemos ficar ao sabor do momento, precisamos do conhecimento acumulado ao longo da evolução da nossa civilização, vamos em busca dele para compreender o presente e propor alternativas para a melhoria de qualidade de vida e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É o conhecimento que a humanidade já possui que nos ajuda a dar esse salto, mas ele não pode ser transmitido aos alunos de forma descontextualizada, porque o aluno não consegue atribuir-lhe significado. Então, a partir de situações problemáticas do presente, o aluno é desafiado a buscar informações e articulá-las com conhecimentos que já possui, para compreender essa problemática e propor situações que possam resolvê-la. É evidente que existem múltiplas soluções para tais problemas, o que leva o aluno a lidar com diferentes pontos de vista – favorecendo-lhe a compreensão sobre a relatividade e complexidade das situações da vida e da ciência – bem como a aceitar a ideia de que as mudanças são inerentes à própria vida.
TV ESCOLA: O projeto deve, necessariamente, interagir conteúdo de mais de uma área temática? Ou: o projeto é sempre inter ou multidisciplinar? Dê, por favor, um exemplo, professora.
Elizabeth: Um projeto pode partir de uma questão relacionada com uma única área de conhecimento e, em seu desenvolvimento, ir se abrindo e articulando conceitos de outras áreas. Pode também ocorrer o inverso. Iniciar com uma questão abrangente e pouco a pouco ir afunilando em um determinado conceito. Certa vez observei um trabalho de uma professora de Português que tinha a intenção de desenvolver estudos sobre o tema Linguagem Publicitária. No dia anterior ao início desse assunto em suas aulas, ocorreu uma grande enchente na cidade de São Paulo que afetou sobremaneira a vida das pessoas. Então, a professora teve o saber de identificar no contexto a emergência de um tema de interesse para seus alunos. Ela propôs então a eles desenvolver um projeto de criação de um produto útil para a situação de enchente e fazer a respectiva campanha publicitária. Ora, essa professora, soube propor um tema que era do interesse de todos naquele momento, os alunos se apropriaram da ideia e se aventuraram no desenvolvimento do projeto com a maior empolgação. O computador foi usado na campanha publicitária dos produtos hipoteticamente criados.
TV ESCOLA: Você está considerando Língua Portuguesa e Língua Publicitária como duas áreas temáticas? Se está, nesse exemplo a professora parte de duas áreas e continua nas duas. Não há afunilamento nem abertura e articulação, no sentido da inter ou multidisciplinariedade.
Elizabeth: Esse projeto iniciou-se em uma área – Língua Portuguesa, cuja intenção da professora era trabalhar com o tema Linguagem Publicitária – e se expandiu para outras áreas, envolvendo professores de diferentes disciplinas. Os alunos fizeram levantamentos históricos e estatísticos a respeito das enchentes da cidade de São Paulo ao longo dos anos e descobriram que esse fato é recorrente e sem uma ação mais abrangente por parte das autoridades. Alguém comparou-a com a seca do Nordeste. Também foram orientados pelo professor de Artes na criação de maquetes de seus produtos. Enfim, tendo como ponto de partida um fato do contexto, houve um estudo que permitiu compreender a existência de enchentes na cidade de São Paulo, levou à proposição e respectiva publicidade de produtos para uso nessas emergências, favorecendo a representação de ideias em uma nova linguagem para os alunos. No final, cabe ao professor retomar os conceitos implícitos nessa representação, de modo a permitir a compreensão sobre esse tipo de linguagem, aprofundando o conhecimento do tema que originou o projeto. A interdisciplinaridade se deu na ação de trabalhar com um conhecimento tal qual ele ocorre no cotidiano, articulando as disciplinas que emergiram no desenvolvimento do trabalho, para ampliar a compreensão sobre a enchente e criar soluções alternativas para o problema.
TV ESCOLA: Como os projetos podem ajudar a enfrentar e superar o bicho-papão da Matemática? E como o computador pode favorecer essa superação?
Elisabeth: O exemplo que acabei de dar foi explorado pelo professor de Matemática para trabalhar com vários conceitos matemáticos. Ora, a Matemática não surgiu isolada da vida.
Ela foi isolada ao longo de sua evolução, o que favoreceu uma série de elaborações e novos conceitos. Só que, nesse processo de aprofundamento no interior da disciplina, perdeu-se o significado dos conceitos, o que hoje precisa ser recuperado no processo educacional. Para isso basta articular Matemática e realidade. Parece simples, porém não o é, porque os professores também não foram preparados para tal.
TV ESCOLA: O professor pode dar conta dos conteúdos previstos no currículo trabalhando só com projeto?
Elisabeth: Será que é possível cobrir todas as áreas e conteúdos do currículo por projetos? Se fizermos do projeto uma camisa-de-força para todas as atividades escolares, estaremos mais uma vez engessando a prática pedagógica. A metodologia de projetos traz um grande potencial para se romper com o isolamento das disciplinas, mas isso não significa que tudo tenha que ser somente com projetos. Há momentos em que o professor precisa dar uma aula interativa, fornecer informações ao aluno, mas o que importa é que isso se faça com vistas à aprendizagem significativa para o aluno.
TV ESCOLA: O projeto não é sempre mais demorado?
Elizabeth: Essa ideia é equivocada. Tenta-se colocar o projeto como algo sempre grandioso e que envolve a escola como todo. Neste ano tivemos vários temas que foram escolhidos sem a participação de professores e alunos para que eles executassem como se fosse um projeto: Brasil 500 anos, Olimpíadas etc. Será que os professores e os alunos foram sujeitos de aprendizagem desde a concepção desses projetos ou foram executados de algo definido a priori?
TV ESCOLA: É possível o projeto de uma única aula?
Elizabeth: O projeto implica em romper com o tempo e o espaço da sala de aula. A tecnologia permite a expansão da sala de aula para além do tempo limitado da presença física e torna essa ideia de tempo do encontro presencial como um momento significativo, mas não único. Meus alunos do curso de Pedagogia estão trabalhando com problemas por meio de interações à distância e afirmam que esta prática os força a aprofundar mais os estudos e a permanecer a semana toda trocando informações e elaborando suas produções. O espaço semanal de nossa aula presencial é para realimentar o virtual.
TV ESCOLA: Como se usam os vários recursos disponíveis nos projetos? Livros, TV, computador...
Elizabeth: De acordo com o objetivo pedagógico e a potencialidade de cada recurso.
Num mesmo projeto podem ser articulados vários recursos, da entrevista pela Internet ao livro e TV. Posso entrevistar um especialista em situação real, mas se isso não for possível utilizo a Internet para nossa interação. Um vídeo pode ser um excelente recurso em um dado momento, desde que seu uso esteja contextualizado na atividade. Da mesma forma, o computador é muito útil quando usado para pesquisa, comunicação e principalmente para representação do conhecimento e troca de informações.
TV ESCOLA: O que você considera representação do conhecimento?
Elizabeth: Significa descrever explicitamente o significado de um conceito, as articulações entre informações, quer sejam palavras, gráficos, imagens, animações, enfim, qualquer mídia que mostre o que a pessoa pensa sobre determinado conceito, fato, acontecimento etc. Um programa de computador, um texto, um site ou uma home page traz descrito o pensamento de quem o elaborou. Por isso é importante permitir que o aluno represente o seu conhecimento, de modo que ele possa identificar o que sabe e o que precisa buscar para aprofundar esse conhecimento. Do mesmo
modo, o professor pode identificar as dificuldades e descobertas do aluno e intervir em seu processo para provocar o desenvolvimento. Aí reside a maior potencialidade do uso do computador em educação.